“A visão de uma arapuca, (ara’puka em tupi-guarani), armadilha musical de origem indígena, destinada a caçar pássaros, antecipa múltiplas metáforas e impasses da vida, em que a artista nos convida para uma jogo poético e existencial. Numa espécie de espiral pelos interstícios da mente, despertada pela magia do aparelho fotográfico, Fernanda convida-nos a um jogo, mas é em silêncio que nos deparamos com o dilema: Seremos a caça ou caçadores ? - Entre o olhar que deseja e o que é desejado, a artista toma um lugar de ambivalência onde ora é a personagem projetada no trabalho, ora é a observadora”.
Trecho do texto
curatorial escrito por Ângela Berlinde
Arapuca, 2020, impressão sobre tecido, 110 x 140 cm
ENSAIO PARA AVANÇAR PARA O COMEÇO
Residência artística realizada entre 2019 e 2020
nas créchas Pauline Kergomard e Lounès Matoub em Montreuil, na França
O essencial nesse projeto, era confrontar meu olhar de artista, ao olhar das crianças na creche. Eu queria tentar um retorno, uma espécie de reconexão com aquele estado primitivo de existência, tão caro a Manoel de Barros, o poeta brasileiro que me guiou nessa aventura. Para ele, a infância não é apenas uma fase da vida, mas um sentimento que ele nutre, e que torna sua poesia fértil.
Decidi então de trabalhar com à partir do universo das crianças. Fotografei diversos brinquedos e as pequenas mãos das crianças enquanto brincavam. A medida que ia produzindo as imagens, instalava-as no espaço e nas paredes da creche.
“Tudo o que eu aprendera até meus 90 anos era nada; meus conhecimentos eram sensoriais. O que aprendi em livros depois não acrescentou sabedoria, acrescentou informações. O que sei e o que uso para a poesia vêm de minhas percepções infantis”, Manoel de Barros.
As percepções de Barros estão ligadas ao Pantanal, uma região de grande riqueza animal e natural. Minhas próprias lembranças de infância, são do campo. Um jardim enorme, cheio de flores e plantas. Elas eram minhas amigas, passávamos muito tempo juntas. Os brinquedos das crianças nas creches, também são seus amigos. E eles certamente guardam mistérios. Assim como um galho de árvore ou uma pedrinha abandonada.
Para avançar, no estúdio fotográfico, eu olhava para esses brinquedos, não como tais, mas como objetos que eu não conhecia, a serem descobertos, ou para extrair algo deles. Talvez com um ar infantil, como quem busca o encantamento em cada gesto, ou se encanta com cada gesto. Em seguida, para chegar ao início, na natureza, volto-me para a encenação. Familiar, o cenário estava lá. Eu apenas coloquei as minhas coisas.
“Escuto o meu rio: é uma cobra de água andando dentro do meu olho”, Manoel de Barros, Compêndio para uso dos pássaros, 1960.
Sapo ou pedra,
2020,
nove fotografias, impressão jato de tinta sobre papel fine art fosco,
20 x 30 cm cada, duas caixas em madeira recobertas
de cinco fotografias impressão jato de tinta sobre papel fine art fosco,
com registro sonoro no interior
Antes a gente falava: faz de conta que
este sapo é pedra.
E o sapo eras.
Manoel de Barros, O fazedor de amanhecer, 2001
Pequena viagem ao fundo do jardin,
instalação foto sonora, 2020,
quatorze fotografias, impressão jato de tinta sobre papel fine art
fosco colado sobre alumínio, diferentes formatos acompanhados
de seis registros sonoros.
Ser
como as coisas que não têm boca!
Comunicando-me apenas por infusão
por aderências
por incrustações...
Ser bicho, crianças,
folhas secas.
Manoel de Barros, Ser um novo Jó, Compêndio para o uso dos pássaros, 1960
Comunicando-me apenas por infusão
por aderências
por incrustações...
Ser bicho, crianças,
folhas secas.
Manoel de Barros, Ser um novo Jó, Compêndio para o uso dos pássaros, 1960
Em frente e além,
cinco fotografias, impressão jato de pinta sobre papel fine art fosco,
90 x 195 cm cada, 90 x 450 cm o conjunto
Obra resultante da residência artística realizada com o Centro Tignous
de Arte Contemporânea e duas creches da cidade de Montreuil